Des-embestagem

Hoje, durante o almoço, ouço… de novo… a boca da vez… “Pois… Com este governo não se pode traumatizar as criancinhas!”

Não, não percebo grande coisa de teorias da educação, nem tão pouco aprecio o facilitismo… Mas…

É de mim, ou pôr miúdos de 9 anos a fazer exames nacionais é, bem… Ridículo, talvez?

Senão, vejamos argumento a argumento da tropa “examista”:

  1. “Não lhes faz mal”- “Não?” Direi eu. Talvez não, mas fará bem? A questão fundamental não será o exame em si… Mas a adulteração do processo de aprendizagem que ocorre durante o ano. Quantos de nós se lembram da técnica de “estudo para exame” da faculdade ou do ensino secundário? Quantos de nós se lembram melhor desses conhecimentos que dos conhecimentos básicos aprendidos antes disso? E será que não faz mesmo… Mal? Será que miúdos daquela idade têm maturidade suficiente para lidar com esta questão?2012-08-11 20.59.10
  2. “Eu também fiz exames e não morri”- Pois… Eu também não… Mas eu, trintona assumida comecei a fazer exames no 9º ano, com as famigeradas provas globais… E desculpem a sobranceria… Também não morri, nem aprendi menos por isso. Se sua excelência, que fez exame da quarta classe e está tão saudoso dos tempos da velha senhora, lamento… A velha senhora não estava correcta, nesse, como em muitos outros assuntos… Ou estaremos “orgulhosamente sós” no facto de sermos o ÚNICO país da UE em que este regime vigorava até há dias?
  3. “Os meus pais nunca quiseram saber das minhas notas, desde que não desse problemas. Agora os putos ficam inseguros com tanta vigilância”- AZARICO… Os meus quiseram, quiseram tanto, que me ensinaram a ter métodos de estudo, que se preocuparam em saber quais eram as minhas opções e em discuti-las comigo. Sempre souberam e acompanharam as minhas notas nos testes… E não, não fiquei insegura por causa disso.
  4. “No fundo, no fundo o que interessa da escola Primária é o que é avaliado no exame”- Não, não e não… Por favor não repitam erros relativamente recentes. Como disse eu sou trintona assumida… E é esta trintona que partilha convosco uma memória – A minha professora primária era uma besta. Sim, uma besta… Daquelas que não cumpria programas: Ensinava Português- Bem e Matemática- Mal e porcamente e o resto era o resto… Usando para o resto o curricula da dita velha senhora:
    1. Linhas de caminho de ferro e estações: check
    2. Histórias e provérbios do dito livro da [inserir número do ano] classe da velha senhora: check
    3. Divisões manuais até à enésima casa decimal: check
  5. “A exigência agora é muito menor”- Caso não tenham reparado: O ensino mudou, os critérios devem permitir incluir todos… E todos, são todos… Com maior ou menor capacidade… O tempo da humilhação e das orelhas de burro acabou… E digo- Ainda bem! É necessário que cada um consiga dar o mais e o melhor que pode e é necessário saber proporcionar isso- O que provavelmente não se fará com um exame “tudo a eito”
  6. “Agora não se pode tocar nos meninos… A culpa é sempre dos professores!”- Concordo que tem havido uma progressiva perda de autoridade por parte dos professores e que essa é uma péssima tendência, com múltiplas causas- Pais ausentes que transferem para a escola as suas responsabilidades, uma progressiva precarização da função docente e uma humilhação generalizada de toda a classe (exames de seriação, anyone?), imensos alçapões na formação dos professores com desigualdades gritantes entre faculdades públicas e privadas. Não acho, mesmo, que uns berros para trazer o ambiente tranquilo à sala de aula devam ser diabolizados, mas isso está a léguas de distância da minha querida professora e das professoras dos meus pais – das meninas dos 5 olhos até as mãos ficarem num trapo ou em que pegava na criancinha pelo cabelo e a suspendia no ar para, repetidamente bater com a cabeça no quadro… Sim, eu vi isto ainda… E vi que isto só acontecia a miúdos pobres, que não tinham quem os defendesse. Será assim tão difícil passar novamente de um extremo ao outro?
  7. “Assim ficam a saber mais cedo o que são os exames”- OK, mas é esse o objectivo? Eu aprendi a estudar “para exames” na faculdade e não acho que tenha sido coisa boa- Aprendi a desenrascar-me no meio da confusão, mas esse estudo não dá bases, não estrutura, não permite crescer. Mesmo nos exames nacionais, em que o pessoal se híperfocou em estudar para as específicas… Eu divaguei, estudei tudo e de tudo um pouco e só ganhei- Pelo menos não leio uns versos soltos do Camões a achar que é Florbela Espanca, como alguns dos meus doutos colegas, (ligeiramente) mais bem sucedidos academicamente na Faculdade.
  8. “Agora é tudo uma balda”- Sim, é preciso método, é preciso saber trabalhar… Mas, lembro novamente a minha amada professora- A sobrecarga de trabalhos era tal que que era impossível ter tempo livre- (modo ironia on) Aprendi imenso a repetir cem vezes a mesma frase num caderno… Sem dúvida (modo ironia off), mas agradeceria, tipo… metade… Para poder subir às árvores e espreitar ninhos de pássaros… É que agora as pernas são grandes demais para caber entre galhos e o peso já não é o mesmo… Há coisas que só se fazem em determinada altura… Sim, ensinem… Sim ajudem a criar métodos e sim, os famigerados TPC ajudam… Mas moderem… Deixem os miúdos ser miúdos…
  9. Vou deixar de destilar veneno, mas a maledicenciazinha portuguesinha, levinazinha chateia… Aceitem que talvez, só por uma vez, alguém talvez esteja a tentar fazer as coisas bem feitas… E não desembestem já contra o governo… Só, pelo menos, para já…

Finito…

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